sábado, 31 de maio de 2008

Hungria

Boas lembrancas nao vou levar deste país. Ao chegar à Rodoviária, ontem à noite, o que senti foi medo. Sensacao estranha. Budapeste lembrou-me imediatamente de Sao Paulo. Muito transito, avenidas largas, prédios e mais prédios, luzes urbanas e, claro, chuva. Cheguei até a ficar feliz, na verdade. Um lugar parecido com o Brasil, acho que vou me sentir bem aqui. Nao foi nada disso.

O apartamento onde ficaria, nao foi dificil de encontrar. Até aconteceu uma série de coincidencias, o que reforca a imprenssao de início de coisa boa. Perguntei para um homen, aleatoriamente, onde ficava a rua para onde tinha que ir. Nao sabia. Logo em seguida, encontrou um amigo passando por alí. Ele sabia e estava indo para lá. No caminho, me contavam como o Brasil era parecido com a Hungria. Quanto à política, fatos sucessivos me fizeram acreditar que eles podem ser tao corruptos como nós.


Os moradores da casa me trataram bem. Muito bem até. Pode usar a internet à vontade. Colchao com coberta. Ajuda na hora de cozinhar. O banheiro é aqui, fica à vontade. Mas, cada um que chegava fazia um interrogatório. Aquilo nao foram conversas, foram intrevistas. E com críticas: voce nao fica muito tempo nos lugares. " Se ficar se olhando no vidro da janela, nao vai chegar a lugar algum".A saída relampago a dois pubs foi legal. Explorando lugares alternativos. Mas eu estava na verdade era muito desconfortável.

À noite, tive pesadelos de acordar várias vezes. Hoje de manha chovia ainda mais. A este ponto, quando finalmente deixo esta cidade, meus pés estao molhados e o coracao apertado. Tanto que até arrepio. Nao me peca esclarecimentos. Só quero sair daqui!

Nao é por menos. Depois de horas de caminhada, com quinze quilos nas costas, sem guarda-chuva, nao poderia estar de outro jeito. As placas sao em húngaro (lígua diferente de tudo, com parentesco só mesmo com o finlandes e, mesmo assim, distante) Algumas sao em ingles: ou se contradizem ou nao tem continuacao. Fui seguindo uma que indicava a Estátua do Pensador (foi o que entendi pela figura). Andei, andei. Cheguei à outra, indicando o mesmo monumento, só que em direcao oposta. Desisti. Falentes de ingles? Quase nao os encontrei. No fast-food, nao entenderam o meu pedido e paguei a mais. Tive que procurar alguém que falasse ingles, para desfazer o mal-entendido.

Mas a pior de todas as experiencias ainda estava por vir. Quando desci na estacao do metro que dá acesso à Rodoviária, quase aliviada por estar deixando o país, uns controladores de bilhete me param na entrada da escadaria. Adiantou nada eu procurar pelo meu ticket e dizer que eu o havia perdido - um pedacinho de papel laranja, feito à medida do meu dedo indicador.

O cara queria que eu pagasse 6 mil Florins (moeda húngara). Mostreu que só tinha 450 e que poderia comprar um outro ticket sem problemas. Ele, silencioso, pegou o dinheiro e pediu meu passaporte. Dei-o (puta ingenuidade!)

"Hmmm, Brasil...6 mil Florins". Que ódio! Adiantava menos ainda eu falar que nao tinha. Ele só repetia: 6 mil ou problema com a polícia. Eis que passa dois conhecidos do sujeito. Ele os cumprimenta com euforia e nao controla nenhum dos dois. Eu faltava explodir! "Por que voce nao os controlou??". "Nao precisa".

Eu revirava a minha mala (pois é, em público), mas nao adiantava. Mostrei o meu cartao de banco; era o que tinha. Ele só repetia: " no credit card"; 6 mil ou problema com a polícia. No fundo da mala acho trinta euros. Ele tinha o meu passaporte, eu estava prestes a perder meu onibus, com a prolongacao da humilhacao. Paguei.

Ele nao me deu troco. Queria me vender um bilhete para "a próxima viagem. O que? Eu estou indo embora agora. "Finished Budapest?". Sure! Depois desta experiencia, nao quero nunca mais voltar. Durou um tempo até eu convence-lo disso.

Refiz minhas malas. Peguei o bloquinho para anotar nome da pessoa e da estacao. "O que voce está fazendo?". Nao vou dar 25 euros assim na mao de alguém, depois dessa palhacada e sair assim. o senhor escreveu uma espécie de nota fiscal e me deu. Assinou com o número do seu crachá.

Desnecessário falar que o sistema de controle de transporte europeu dá uma larga margem para arbritariedades e injusticas. E eu nao sei se tenho mais medo dos que formulam as leis acima do bom senso, ou do que seleciona a quem aplicá-las - a ferro e fogo. Lembrei -me do filme Das Leben der Anderen ( A Vida dos Outros).
(escrito em 12/03/2008)

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Mais tarde, fico sabendo de outros dois conhecidos brasileiros que também tiveram que pagar essa multa no metro de Budapeste.

Bratislava

Mas onde é isso, Kívia? Nao teve um brasileiro que, ao saber que eu esava lí, nao fizesse esse pergunta. Capital da Eslováquia. Ou, para facilitar, cidade pertinho de Viena. Há quem pegue o trem para assistir à Opera vienense e volta ainda na mesma noite.

Nao faz muito tempo que esse aglomerado de 500 mil habitantes passou a ser chamado de Capital. Há apenas quinze anos, quando a Checoslováquia foi desmembrada em República Tcheca e Eslováqia. Como em outros lugares da Europa Oriental, a separacao de povos diferentes dentro do mesmo Estado só foi possível após a queda de regismes comunistas. No caso checoslovaco, esse processo foi apelidado por jornalistas da época de Revolucao de Veludo, por ter acontecido de forma nao violenta (vide foto).

Perguntei para os meus anfitrioes se existia alguma rivalidade entre os cidadoes dos dois países. Nem um pouco. "Temos problemas é com os húngaros". Desafeto que remonta às eras pré-medievais. Os dois países sao é muito ligados. Um entende a língua do outro (diz que é mais fácil que espanhol para nós). Eu tenho dois amigos eslovácos que fazem faculdade em Praga e intercambio aqui em Frankfurt. Uma zona...

Ambos estao também no mesmo barco sócio-economico. Bom, pelo menos assim pensava eu. Ambos do leste europeu, ex-comunistas, alta taxa de desemprego...mas a minha anfitria, Anna, diz que Bratislava vive um ótimo momento economico, muitas firmas extrangeiras (especialmente americanas) estao a procurar mao-de-obra especializada alí. Fato que, segundo Anna, está a atrair muitos tchecos para o país vizinho...

Infelizmente, nao tenho estatísticas para provar o que minha colega falou. Mas tenho fotos ;) Pode-se ver uma arquitetura moderna, prédios recentes e, até mesmo os com cara de outros séculos, pintadinhos e sem manchas. Muitos restaurantes chics à beira do rio Danúbio. "Pena", diz Boris, um dos meus anfitrioes, "porque antes de eles estarem alí, podíamos desfrutar o melhor gramado da cidade para fazer pique-nique".

Foi comecar a falar dos efeitos colaterais da..."modernizacao" de Bratislava para o meu terceiro anfitriao, estudante de teatro e cinema, se revoltar - e eu concordar. "Para construir a merda desta ponte, destruiram todo um bairro judeu antiguissimo! Esta regiao aqui era colorida, cheia de grafites, dava um ar alternativo à cidade, mas pintaram tudo de cinza". Foda. Mas pelo menos barzinhos curiosos tem de monte ainda. Neste daqui, chamado Certa (diabo, em eslovaco), eu pedi a primeira cerveja da minha vida. Custou menos de um euro, eles pagaram e foi sem álcool.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

O meu saquinho de moedas

Uma semana antes de partir para a República Tcheca, ospedei uma amiga tcheca. Do nosso grupo de intercambistas, ela voltava para a casa depois de um semestre de estudos (ok, de festas..). Muito atenciosa e desapegada, ela me encheu de presentinhos! Entre eles, uma frigideira, uma caixa de chocolates "Merci" e um saquinho com moedas de coroa tcheca. "Nao é muito, mas voce pode precisar...".

No final das contas, aquilo financiou o meu fim de semana em Praga mais as lembrancinhas que estao aqui na minha estante: caixinha de fósforo com a foto do Franz Kafka, ex-morador ilustre da capital, e um quadrinho do Castelo visto da Charles Bridge, à noite, uma das maravilhas do mundo moderno!

Mas, o melhor de tudo dessa história do meu saquinho e seu, acho, um quilo de moedas, era a hora de pagar. Eu nao tinha a menor idéia da quantidade de euros que tinha ali, entao, antes de comprar qualquer coisa, tinha que primeiro contar as moedinhas e ver se elas alcancavam o valor. Aí era esperar a pessoa do caixa recontar tudo. Sem falar que quem que saiam comigo morria de ri - ou de vergonha.

Cheguei e fui ao supermercado. A mulher do caixa fala o preco que tenho que pagar. Nao enetendo o que ela fala. Olho para o número registrado no caixa e nao entendo o quanto de dinheiro aquilo é. Tiro o meu saquinho transparente com suas quinhentas moedas do bolso, abro a fitinha e coloco ele alí no balcao. Fazer o que...Estranhamente, as pessoas atrás de mim (muitas, aliás), com seus carrinhos cheios, comecam a me olhar com inimizade. Alguém falou alguma coisa. As vezes é muito bom ser ignorante. A caixa fala comigo e eu nao respondo. Ela entende minha situacao de forasteira. Simpaticamente sorri e se poe a contar as moedinhas de dentro do meu saco.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Boemia e jazz na Charles Bridge

Aqui presenciei uma das cenas mais bonitas da minha viagem. Era domingo à tarde, ainda inverno, mas o sol brilhava bem forte. Centenas de turistas, peregrinos da fé católica e da boemia, se misturavam naquela ponte, famosa por ser casa de 12 estátuas neoclássicas dos profetas e de muitos artistas itinerantes - e que artistas...

Ouco Jazz. Deixo-me levar pela música...chego a uma multidao. Sim, a música era muito animadora, o cantor carismático, contra-baixo afinado , mas, por que tanta gente ali?? Cheguei bem perto pra ver. Pude destinguir uma coisinha vermelha entre os artistas e o público. Uma lata pintada onde os jazzistas recebiam moedas de todas as prtes do mundo (incluindo meus euros). Nao sosseguei enquanto nao consegui um lugar na primeira fila.

E eis que vejo o motivo de tudo aquilo: uma crianca. O pirralho, do alto dos seus dois anos de idade, animava os turistas com seus "passinhos" de danca ultra-criativos, incluindo descer até o chao (o que ele tirava de letra), jogar os bracinhos pra cima frenéticamente, parecendo querer convidar os outros a seguí-lo. Bom, pelo menos com lentes os outros correspondiam ao "chamado". Contei umas 10 cameras mais 3 filmadoras. Eu estava entre os que se ajoelhavam para poder registrar aquela inesquecível cena à sua altura.

De vez em quando, nosso artista ousava, fechava a tampa da latinha de moedas e improvisva uma batera . Aí a mae tinha que intervir. Mas, bastava ela interomper a "arte" do filho, que ele reagia com lágrimas e gritos. Os outros caiam na risada. Eu, que passei o inverno inteiro reclamando que as pessoas se trancam em casa ou em cafés onde a água custa 3 euros, vivia um momento de jóia. Lembrava de como nós brasileiros somos barulhentos e pensava que nao há campo mais fértil para a criatividade que a rua, a beraido do rio, a praca. Arte brota da improvisacao, do inesperado; da vontade fervente de se manifestar, interagir e ir sendo feliz ao longo das descobertas. Nao pode ser regulada por precos, prazos e paredes.