quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Mas aqui tem também pessoas de bom coração

O computador de onde normalmente escrevo aqui, foi um amigo que me deu. "Ah, tenho um PC que não uso mais, se você quiser ele...". Ele trouxe a máquina até a minha casa (em noite de chuva) e instalou Internet. Outro dia, me escreve:

- Ei, você não tem ainda caixas de som...

-Tudo bem, garoto, não é tão importante.

-Não, não, música é essencial.

E na festa seguinte ele me aparece com uma sacolinha com duas caixinhas de som e um CD com várias músicas alemãs, "pra você aprender mais a língua". Claro, tinha também uma coletânea do Pearl Jam!


O meu celular também vem de um amigo. No mesmo esquema não-uso-mais-pode-ficar. E é um luxo. Tira fotos, toca musiquinhas e tudo.


O trabalho esporádico como babá que eu tenho, foi graças a um conhecido iraniano - que, aliás, me deu as panelas que eu uso pra cozinhas e tantos almoços também. Um dia desses, ele me vem ofegante na universidade:

-Kívia, Kívia, achei um anúncio interessante no mural alí em baixo (ele é especializado nessas buscas, espera até o Google descobri-lo..).

-Mesmo? O que?

-Estão precisando de babá uma vez por semana. Os dados estão, aqui, ok? Liga lá.

-Ja, muito obrigada.

-Mas telefona mesmo! Oportunidade boa. Nao deixa passar, ok?


O bico de entregar flyers que devo fazer semana que vem, foi uma colega polonesa de Erasmus que me arrumou.


Poxa, e houve tantos outros casos de pessoas dispostas a me ajudar. Sem falar no mais de um mês em que fiquei sem casa, viajando Alemanha e Áustria, e sempre arrumava pessoas pra me hospedar gratuitamente (não passei uma noite em Hostel). Também houveram muitas caronas.

Da minha parte, tento retribuir como posso. Estou sempre recebendo estrangeiros na minha morada :) (um quarto, na verdade). Tenho um colchão extra (que achei no tal lixo-de-coisas-que-não-uso-mais) e um saco de dormir. By the way, tenho que ir buscar a australiana que está chegando!! Bye.

sábado, 24 de novembro de 2007

Assédio no trabalho

O telefone me acordou do quase sono. Ainda bem. Já era seis da tarde e eu ainda não havia saído para entregar meu currículo nos bares, restaurantes e hotéis; a via sacra da procura por trabalho.

"Oi, você me escreveu hoje, respondendo o meu anúncio de faxina em um escritório", falou uma voz de homem mais velho, com sotaque árabe. Ufa, vou ter dinheiro pro aluguel! Já fui me animando...

- Você tem tempo?
- Sim
-Hmmm. De onde você vem mesmo?
-Sou brasileira.
-Brasileira? Ach so! Hmm, gut, gut. Escuta, você não mora longe do meu escritório. Poderia vir aqui para conversarmos melhor?
-ok...

Lembrei do anúncio dele: "Procura-se mulher jovem, flexível e com tempo para limpeza de um escritório"...Vai que ele falou de uma jovem só porque quer uma pessoa (em teoria..) com mais energia, pra fazer o serviço em menos tempo.

Ingenuidade minha - ou negligencia mesmo, por precisar da grana. Do outro lado da mesa ele se limitava a ficar me olhando de cima a baixo. Se abria a boca, era pra responder as minhas cada vez mais nervosas perguntas. Dava sorrisos de quem goza algum prazer, mexia nos óculos, alisava as mãos e sempre repetia "ah, aqui tem muito estresse, sabe. Muito estresse..". E eu com medo até de pensar no que poderia estar passando pela cabeça dele.

- Ai, muito estresse...mas eu posso te ajudar a procurar trabalho.
-Que bom. Obrigada.
-Mas você também tem que me ajudar...
-Eu ajudo, limpando aqui.
- E você pode vir fazer uma massagem aqui também? - e colocou a mão na cabeça.
-Não!

O lugar é uma agência de viagens perto de Baseler Platz, Frankfurt - ainda volto pra olhar o nome e denunciar aqui. O dono é esse filho da puta egipciano que, enquanto me mostrava o lugar ainda ficou tentando colocar a mão na minha cintura. Olhei-o bem sério. Procuro trabalho de faxina. Tenho um namorado que respeito muito e a mim mesma também. "Ah, ok, ok, entendo".

Eu trabalharia aos sábados, a partir de hoje, e receberia 10 euros por hora. "Amanha te ligo para combinar o horário".

No dia seguinte, acesso o site onde vi a oferta do dito cujo e encontro um outro anúncio, com a mesma fonte 14 em negrito: "Procura-se mulher jovem e flexível para limpeza de escritório e massagem".

domingo, 18 de novembro de 2007

Visita grega

Não, não foi um cavalo de Tróia. Foi um homem de Atenas.

Dionisis é um entre os dezenas de estudantes de Erasmus (programa de intercâmbio estudantil entre os países europeus. Na verdade, todo estudante estrangeiro aqui é chamado genericamente de Erasmus) com quem convivo em Frankfurt. Como todos nós, ele almoça no Bandeijão, vai às festas universitárias semanais, fala alemão errado, veste jeans e é curioso. Ao contrário da maioria, ele não mora em uma Studentenwohnheim (moradia de estudante) ou WG (república), faz doutorado, não tem dificuldade em entender as aulas nem os textos (são em inglês..) e não tem pudores de perguntar.

Na sua curta de visita de hoje, ele soube pela vizinha espanhola, estudante de música, que um concerto de piano dura em média uma hora, não se pode eleger uma obra mais difícil de executar, nem um compositor, ela prefere Beethoven, piano exige mais de 10 anos de dedicação e tanto faz tocar sozinho ou em orquestra. Isso nos 20 minutos que eu tentava esquentar um copo de leite e não via que o microondas estava no "descongelar".

Bom, ao lado dessas pessoas a gente se sente convidado a querer saber tudo também. As casas gregas são todas brancas por causa do material usado na construção (alguma coisa com B). Tijolo? Não, não, é muito caro. Grécia em grego se diz Elássia. O país tem uns 12 milhões de habitantes e 4 milhões de atenienses. Esparta tem 50 mil habitantes (uma pequena polis lá em cima..).

Eu sabia quase todas as letras do alfabeto grego e não sabia que sabia (graças aos sinais que usamos na física, matemática etc). Eles tem letras minúsculas, maiúsculas e uma que ninguém usa (caligrafia). São dois os "O"s e três os "I"s, pronunciados do mesmíssimo jeito, mas escritos de forma diferente (e ele não me soube falar de nenhuma regra pra diferenciar). Quando não nos entendíamos em alemão, ele falava em grego, eu em português, e às vezes funcionava. Platão e os outros gregos da filosofia clássica são extremamente difíceis de serem entendidos pelos gregos de hoje. Pois é, a língua mudou um pouco nesses últimos 2 mil anos...