terça-feira, 9 de outubro de 2007

Heidelberg

Como é difícil começar. Mas começar aquela viagem foi especialmente difícil. Sempre aparecia um problema pra me prender em Frankfurt. E "problema" pode significar tanto a burocracia alemã quanto medo de colocar o pé na estrada sem grana, sem conhecer ninguém aqui, sem falar a língua direito e com as minhas seis camisetas, duas calças e um casaquinho na mala - este, aliás, eu perdi na primeira cidade.

Bem, mas quando um amigo italiano, Paolo, anunciou que ia visitar e eu já não tinha casa nem pra eu ficar, dei um jeito: fiz ele ficar comigo três horas plantado na saída de Frankfurt, esperando por uma carona. Depois do nosso insucesso, pegamos o trem mesmo. O único que peguei naquele um mês de viagem - trens na Alemanha são absurdamente caros.

Nas tentativas de chegar ao lugar onde está a universidade mais antiga do país, escrevi três vezes para o couchsurfer que me hospedaria, falando que estava partindo e nunca ia. Ainda bem que o rapaz entendia e até me escreveu uma vez:

"Para te animar um pouco, vou te contar o que o meu irmão falou. Ele disse que você deveria me falar pelo menos a cada duas semanas que você vem (não precisa necessariamente vir, o importante é anunciar). Isso traz grandes benefícios colaterais: ele limpou a cozinha, o banheiro e até o próprio quarto. Estão, estamos sempre felizes quando você disser que vem nos visitar :)".Como se vê, ele morou uns tempos no Brasil e pegou a nossa simpatia ;)

Jan e sua família me pareceram simplesmente diferentes. Ele e a mãe - por quem, aliás, sempre demonstra um grande carinho- falam juntos nove línguas!. Queria ter tido mais tempo par trocar idéias com ele. Conversei bastante foi com a irmã (em português), engenheira química que morou no nordeste do Brasil alguns meses, dando aulas para crianças de rua como professora voluntária. Sua expressão e palavras eram de desilusão: é difícil manter o projeto e mais ainda fazer com que as crianças se sintam atraídas pelas atividades pedagógicas e não voltem às ruas. Fazer com que nossa juventude pobre se sinta mais motivada a estudar, tenha mais auto-estima... De repente senti aquele meu drama de estudante de escola pública compreendido por uma alemã.

Aqueles dias na bucólica Heidelberg foram dos mais tranquilos e felizes desta viagem. Vários cochilos na beirada do rio Neckar (lá fiz churrasco alemão e vi top less pela primeira vez!). Passeios turísticos com o Paolo pelo castelo (o maior que já vi!), pelo Philosophenweg, que é onde, dizem, os filósofos iam buscar inspiração. Fiquei imaginando o que passava pela a cabeça daqueles caras de quem todo muito já ouviu falar, mas que ninguém entende, ao andar de um lado pro outro naquele jardim entre uma grande floresta e o fundo do precipício onde está Heildelberg.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Nota sobre o que passa e marca

De toda a relatividade de viajar e encontrar viajantes, eu insisto em uma óbvia constante: é sempre uma chance de conhecer novas pessoas. E no trocar figurinhas, parece que a experiência do outro se soma à nossa própria e saímos de cada encontro, festa ou barzinho mais maduros. Nessas circunstâncias, aparecem também aquele que poderia ser o melhor grupo de amigos, o lugar perfeito pra ser morar, o melhor amante ou aquele que poderia ser o amor da nossa vida.
Mas a fugacidade do tempo do viajante, por excelência alguém em transição - à espera do próximo trem ou da próxima carona-, faz de uma paixão em potencial uma mera boa lembrança.

P.s. Como seria se uma pessoa recém conhecida, com quem você se identificou muito e que mora do outro lado mundo, fosse sua vizinha?

E a primeira vez no Rhein...

Estava eu em Heidelberg, triste da vida porque o Paolo, meu amigo genovês de tantas besteiras, tinha voltado pra Itália depois de uma curta visita. E pra curar aquela tristezazinha aguda que bate quando temos que nos desacostumar de alguém, nada melhor que a Internet.

Pois estava eu "folheando" as páginas do couchsurfing.com (CS), quando um homem de uns 40 anos me escreveu perguntando se eu não queria que ele me mostrasse um pouco da cidade. O site sempre mostra quando estamos online e de que parte do mundo acessamos.

Ecco, bom amigo é bom amigo, insubstituível, principalmente um cara sem noção, bobo e que nunca cresce que nem o Paolo. A gente se identifica. Damos risada, logo somos felizes. Um encontro com outra pessoa seria uma chatice. Eu, que também estava desconfiada do convite (embora sejam normais no CS), respondi que já tinha visto muito de Heidelberg...mas aceitaria tomar um café. Ah, não resisto a uma oportunidade de bater papo. E antes uma conversa formal do que uma noite de depressão em casa.

Conversa formal? Talvez no primeiro buteco, onde ficamos tempo suficiente para o "de onde você vem", "o que você faz e quer fazer da vida". A essa altura, ele já parecia ansioso para mudar de rumo, e me perguntou se eu queria ir pra uma cidadezinha alí na França ou pra Mannheim. Como já assumi no parágrafo acima, sou sem noção e acabei aceitando o segundo convite.

E assim cruzei pela primeira vez aquela ponte grande, que revela de um lado o que comparei à cidade americana de Manhattan, mas que meu amigo explicou ser só a sede da Basf, pintando o céu negro de Mannheim com suas luzes e poluição.

Fomos a um restaurante italiano na beira do rio Rhein. Ele pagou tudo. Veio com o argumento de que, na Europa, quem já tem emprego paga para quem ainda é estudante. Com o orçamento restrito da minha viagem, eu nem discuti..Terminamos a noite com café e cappuccino em um bar moderninho no topo de uma torre enorme (der Wasserturm). A esse ponto, a gente já estava contando todos os tipos de causos e rachando de rir. Lembro dele falar da viagem a New Orleans com os colegas de trabalho: todos muito sérios até entrarem em um certo bar onde as garçonetes versavam tubos de ensaio com uma bebida bem forte em suas bocas, e daí serviam o líquido diretamente na boca do cliente. E eu que esperava uma noite de conversa formal...

O que esse cara está querendo comigo? Pensaria qualquer garota. Isso passou também pela a minha cabeça. Poderia ser um desses criminosos de mulher que tantos filmes e o bom jornalismo já cansaram de revelar. Poderia também ser alguém curioso por conhecer estrangeiros (como eu sou) ou só querendo uma companhia pra jogar conversa fora. E foi. Nunca me deu nenhuma cantada. Naquela minha viagem de agosto, eu e Robert ainda nos encontrariamos algumas vezes, vezes em que me ajudou e vezes em que mudou o rumo da minha viagem.

De volta a Mannheim

Hoje, pela segunda vez, cruzei aquela ponte larga sobre o rio Rhein, sustentada por cabos brancos que parecem descer do céu de tão longos. O convite não era dos mais atraentes: beber um vinho que ainda não deixou de ser suco (típico da região) e comer Zwiebelkuche (bolo de cebola). Não bebo álcool e detesto cebola. De todo jeito, faz sempre bem à curiosidade ver o que fazem os frequentadores de um clube privado de aviação, abrigado bem no aeroporto de Mannheim.

Além de degustar as iguarias já citadas, conseguem ficar duas horas assistindo a um filme amador sobre aviação, quase sem áudio. O clube tem o privilégio de ter um jardim que dá para a pista de pouso. Sim, o encontro mensal dos sócios é também um momento de ir no quintal com os amigos ou cônjuge para apreciar a aterissagem ensurdecedora dessas máquinas voadoras.

Os amantes da invenção que me perdoem, mas neste meu momento de descobrimento da Europa, com o mesmo espírito desbravador das propagadas de calça jeans que têm os "cools" da minha idade, sou mais afeita às frivolidades do mundo, como na primeira vez em que estive em Mannheim...

(Escrito em 01/10)